Saturday, February 26, 2011

Rita Lee - Atrás do Porto Tem uma Cidade (1974)




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Faixas:
01. De Pés no Chão
02. Yo No Creo Pero...
03. Tratos à Bola
04. Menino Bonito S
05. Pé de Meia
06. Mamãe Natureza
07. Ando Jururu
08. Eclipse do Cometa
09. Círculo Vicioso
10. ...Tem uma Cidade



QUANDO Rita Lee deixou os Mutantes, já havia deixado uma incipiente e até hoje desvalorizada carreira solo (composta pelos discos Build Up, feito para um projeto da Rhodia, e por Hoje é o primeiro dia do resto da sua vida, um álbum dos Mutantes lançado em seu nome para não concorrer com o disco do grupo que havia sido lançado pouco antes). Sem saber o que fazer da vida, havia cogitado várias hipóteses, até a de desistir da música. E até a de suicídio.

Praticamente seguindo, mesmo sem querer, os passos de seu ídolo David Bowie, Rita tentara começar no folk: juntou-se com a amiga e afilhada musical Lucia Turnbull e montou as Cilibrinas do Éden, que tocavam rock acústico fantasiadas de fadas voadoras. A dupla durou o suficiente para realizar um show flopado no festival Phono 73 (breve neste blog), em 1973, e desistir. A época era para rock progressivo, hard rock, coisas impávidas e colossais. Quem fizesse rock teria que soar alto. Lá fora, o glitter rock já dominava a cena, os precursores do punk eram o que havia de mais moderno, o progressivo ainda reinava, David Bowie era o fodão e a guitarra espacial de Marc Bolan era o que havia de bom. No Brasil havia MPB politizada e censurada, torturas, um cenário rockeiro incipiente e relegado ao underground, além da indefectível dupla samba e futebol. Foi nesse pé que Atrás do porto... chegou nas lojas.

ANTES: A maneira como Rita Lee deixou os Mutantes é algo obscuro até hoje: se foi expulsa, se saiu porque quis... Conta-se que, ao tentar utilizar instrumentos como moog e mellotron (privados de bandas de rock progressivo, estilo que os Mutantes estavam fazendo por volta de 72/73) nos ensaios da banda, Rita ouviu piadinhas - chegou a tentar inserir seu sintetizador no arranjo do jazz-rock enfezado "Mande um abraço pra velha" (irônico canto do cisne da banda) e foi vetada de cara. Segundo o biógrafo Carlos Calado, a coisa foi num crescendo até que Arnaldo disse que não havia mais lugar para Rita na banda (e não havia mesmo - com músicas de dez minutos, vôos instrumentais e o guitarrista Serginho cantando cada vez mais, Rita parecia relegada a um papel decorativo, injusto para com quem havia bolado boa parte das loucuras dos Mutantes).

Separada dos Mutantes, Rita casou-se de novo (com Mick Killingbeck, um misto de produtor, empresário, agitador cultural e guru do LSD) e começou a compor um novo repertório, diferente do que vinha fazendo com os Mutantes e totalmente livre das amarras progressivas de então. "Mamãe Natureza", a primeira música que saiu dessas sessões de composição, trazia na letra um relato ora conformado, ora esperançoso de Rita em relação às suas expectativas de carreira solo, no qual Rita se lançava e entregava tudo pra Deus ("Estou no colo da Mãe Natureza/Ela toma conta da minha cabeça/É que eu sei que não adianta mesmo a gente chorar/A mamãe não dá sobremesa"). Nem parecia que a mesma Rita dominaria as paradas de sucesso anos depois.

Após uma experiência mal-sucedida de se apresentar abrindo para os Mutantes (com as Cilibrinas, que faziam um som folk e pífio para a época), Rita resolveu cair de boca no hard rock. Juntou-se a uma galera que, como ela, vinha da Pompéia (bairro-celeiro de músicos de São Paulo), e montou o Tutti-Frutti. O nome do grupo pode ser entendido tanto como uma referência ao famoso hit cantado por Little Richard, quanto à ascendência italiana dos músicos da banda (Luiz Sérgio Carlini na guitarra, Emilson Colantonio na bateria e Lee Marcucci no baixo, sem contar a amiga Lucia Turnbull). Seguindo a cartilha meio hard meio glitter da época e influenciadíssima por grupos e artistas como Slade, David Bowie e outros, Rita se lançava no mercado de forma definitiva, como se este fosse o seu primeiro disco. Vale lembrar que nos anos 70, mulheres rockeiras não eram algo que se achasse por aí em qualquer esquina - mulheres band-leaders, então, eram um verdadeiro absurdo.

O SHOW: Com a banda formada, Rita começou a fazer suas primeiras apresentações em São Paulo. Os primeiros shows, que tiveram colaborações de gente como Zé Rodrix, Mônica Lisboa (ex-empresária de Rita) e Antonio Bivar na direção, tornaram-se clássicos. O show foi ganhando elogios da crítica e tornando Rita (já definitivamente em carreira solo) mais famosa. A única coisa bisonha que rolava era que, em quase todas as apresentações, Arnaldo costumava ir, sentar-se na primeira fila, e ficar fazendo caretas de desaprovação para Rita (!). Na época, os dois pouco se falavam, embora Arnaldo tenha chegado até mesmo a morar com Rita tempos depois, quando estava afundado nas drogas.

O DISCO: O LP Atrás do porto tem uma cidade saiu em junho de 1974 e de cara enfrentou problemas com a gravadora. Como a Philips sempre desejou tirar Rita dos Mutantes (fato que foi revelado pelo próprio Liminha, ex-baixista do grupo, em uma entrevista nos anos 80), Rita começou a ser mais trabalhada pela gravadora que o normal. Enquanto Arnaldo Baptista gravou seu disco Lóki?, do mesmo ano (e que ficou às moscas) em São Paulo mesmo, Rita mudou-se para o Rio e ficou hospedada num apartamento em Santa Tereza, junto com o pessoal da banda. A intenção da gravadora era que Rita pudesse ser melhor orientada pelo "grupo de trabalho" da Philips - formado por pensadores, intelectuais e gente da gravadora, como Paulo Coelho, Roberto Menescal, Nelson Motta, André Midani e outros - de modo a poder gerir melhor sua carreira. As reuniões aconteciam geralmente em hotéis cariocas como o Copacabana Palace e o Meridién. A Philips queria que Rita fosse no mínimo uma superstar. Rita queria fazer roquenrol, "rock pauleira", como se dizia na época.

Produzido por Mazola, o disco acabou não saindo lá muito ao gosto de Rita - que declarou que "a gravadora exigiu de mim uma star e o disco saiu malfeito". Problemas conceituais entre ela e a produção acabaram deixando o disco distante do que ela sonhava: a gravação foi feita no estúdio carioca da Philips - o melhor estúdio para se gravar rock na época era o Eldorado, em São Paulo - e a mixagem acabou saindo meio estranha. A banda Tutti-Frutti nem apareceu inteira - Emilson acabou sendo substituído por músicos de estúdio e as sessões tiveram participação de gente como a banda Azymuth. Isso, no entanto, não diminuiu o valor do disco: mesmo com tantos problemas, Atrás do porto... continua sendo até hoje um dos melhores discos de Rita. Nas letras, Rita mandava recados cifrados para amigos, para a gravadora, para os Mutantes e até para os homens do poder.

FAIXA-A-FAIXA

"DE PÉS NO CHÃO": A primeira faixa do disco era um fox-hard-rock bem T.Rex, cuja letra é cheia de mensagens irônicas e cifradas. Na época, até mesmo a sexualidade de Rita foi posta em dúvida, o que certamente gerou os versos da música.

"YO NO CREO, PERO...": Meio mística, meio anti-ditatorial ("Segura a barra/A bruxa está solta...") a segunda música é um dos momentos mais progressivos do álbum, com direito a Rita tirando algumas notas do mellotron e fazendo solinhos de moog.

"TRATOS À BOLA": Rock´n roll animadaço, acompanhado por palmas, com letra claramente dirigida a Arnaldo Baptista ("Eu ontem encontrei um amiguinho de infância/Aquele que vivia me chamando de bobinha"). Se um dia o pessoal do Stone Temple Pilots bota a mão nesse disco vai ficar doido.

"MENINO BONITO": Diz a lenda que a gravadora pediu que o disco tivesse pelo menos uma música mais romântica e Rita fez essa, que tornou-se o maior sucesso do LP. O arranjo original era bem minimalista, só com piano, baixo e voz - e Rita nem chegou a ouvir o resultado final. Com o disco nas lojas, um dia Rita fazia compras no supermercado quando de repente toca "Menino bonito" no rádio: a gravadora tinha acrescentado um arranjo breguíssimo de cordas sem avisar à artista.

"PÉ DE MEIA": Boogie rock com riffs quase stonianos (ou Sladianos, com um pouco de boa vontade), cantado em dueto por Rita e Lúcia.

"MAMÃE NATUREZA": Rockarnaval visceral e explícito, mostrando a cara própria de Rita e do Tutti-Frutti. Foi o primeiro sucesso da cantora após deixar definitivamente os Mutantes. Luiz Carlini, um dos melhores guitarristas do Brasil, faz alguns dos solos mais legais já feitos em território pátrio.

"ANDO JURURU": Resgatado nos anos 90 pelos Raimundos e por Kiko Zambianchi, o desabafo de Rita diante do esquemão do showbiz ainda soa atual. Milênios antes do Planet Hemp (que aliás tocou essa música em alguns shows) Rita já rimava "I know I have to do" com "cogumelo de zebu".

"ECLIPSE DO COMETA": O momento paulocoelhal do disco - na verdade um bom recado para uma nação que, na época, vivia cabisbaixa. "E as pessoas precisavam dele/para levantar as cabeças/mas olhe bem, baby/Não é preciso cometas"

"CIRCULO VICIOSO": Com trechos da letra surrupiados de "Neurastênico" (de Betinho, sucesso pré-Jovem Guardista), é outro momento prog do LP. Inclui um longo trecho instrumental no qual o Tutti-Frutti deita e rola. A frase "eu só quero brincar com a sua cabeça..." diz tudo a respeito da música.

"...TEM UMA CIDADE": Estranha vinheta instrumental, de inspiração claramente blacksabbathiana, composta apenas por Rita. Dá a entender que havia alguma coisa a mais ali, que pode ter sido censurada.

Texto de Ricardo Schott, publicado no site discotecabasica.com.

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Wednesday, February 23, 2011

Antonio Adolfo & A Brazuca - Antonio Adolfo & A Brazuca (1971)




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Faixas:
01. Panorama
02. Cláudia
03. Tributo a Victor Manga
04. Pela cidade
05. Grilopus nº 1 (1ª parte)
06. Que se dane
07. Atenção, Atenção!
08. Cotidiano
09. Transamazônica
10. Cortando caminho
11. Grilopus nº 1 (2ª parte)
12. Caminhada



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Sunday, February 20, 2011

Antonio Adolfo & A Brazuca - Antonio Adolfo & A Brazuca (1969)




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Faixas:
01. Juliana
02. Futilirama
03. Moça
04. Dois tempos
05. Vôo da Apolo
06. Porque hoje é domingo
07. Maria Aparecida
08. Psiu
09. A cidade e eu
10. Pelas ruas do meu bairro
11. Teletema



O TÍTULO de uma música de grupo em questão já diz tudo: "Que se dane". Se algum dia a música brasileira teve uma atitude dessas, com certeza foi numa das sessões de gravação de um dos antigos LPs de Antonio Adolfo & A Brazuca. Foi uma das fases mais criativas da nossa música, um daqueles raros momentos em que se percebe que tudo é possível. Até mesmo misturar toada, soul, samba, rock e psicodelia.

A receita acima aparece no dois discos que o tecladista e compositor Antonio Adolfo gravou ao lado da Brazuca, pela antiga Odeon. Para quem quiser conferir, ambos os discos estão em catálogo em CD - o primeiro, que contém o sucesso "Juliana", saiu já há algum tempo, na série Odeon 100 anos, e o segundo, fora de qualquer série, já pode ser encontrado em algumas lojas. Um pouco de história, para quem não conhece: Antonio, nascido Antonio Adolfo Maurity Sabóia (sim, ele é irmão do sumido Ruy Maurity) vinha da mistura de jazz e bossa nova em grupos como Samba 5 e Conjunto 3D - o apreço pela mistura de brasilidade e tecnologia, que dá as caras nas letras e melodias da Brazuca, já aparece aí. Antonio trabalhou com muita gente, mas é mais conhecido pela parceria com o letrista Tibério Gaspar, que deu em um rico leque de canções gravadas por Wilson Simonal ("Sá Marina"), Toni Tornado ("BR-3"), Trio Ternura ("Manequim"), Evinha ("Teletema"), etc. Sucesso não faltou: "Teletema" teve a glória de ser uma das primeiras músicas do país veiculadas em trilhas de novelas (Véu de noiva, 1970, lançada pela Philips). E "BR-3", soul lisérgico de primeira linha, foi classificada num Festival Internacional da Canção.

Pouco antes dessa época, Antonio & Tibério já haviam se juntado a um time daqueles: as vocalistas Bimba e Julie, o baixista Luizão Maia (acompanhante de artistas como Elis Regina e Erasmo Carlos e tio do também baixista Arthur Maia), o guitarrista Luiz Cláudio Ramos e o baterista Vitor Manga. O primeiro disco do novo grupo, Antonio Adolfo & A Brazuca, saiu em 1969 saudado por Carlos Imperial, Roberto Carlos, Chico Anísio, Augusto Marzagão e Luizinho Eça (que escreveram os textos da contra-capa) e puxado por "Juliana", outro hit turbinado por festivais (2º lugar no IV FIC). No recheio, toada-soul (a própria "Juliana"), sons influenciados por Beatles ("Futilirama", "Dois tempos"), uma espécie de ciranda moderna ("Moça"), soul brasileiro psicodélico ("Vôo da Apolo", com pioneiros efeitos de teclados) e outras melodias de emocionar, como "A cidade e eu", "Pelas ruas do meu bairro" e a animadinha bossa-soul "Maria Aparecida", além da versão original de "Teletema", fechada por conversas de estúdio e pelo bater de uma porta. Um trabalho maravilhoso que, sabe-se lá porquê, nunca havia sido relançado. E como já saiu há algum tempo, reze para encontrar algum por aí.

O segundo Antonio Adolfo & A Brazuca saiu em 1971 e marcou várias mudanças na banda. Pelo astral hippie da capa, já dá para perceber que o mergulho no soul e no rock foi total. Julie deixou a banda e foi substituída por um vocalista, Luiz Keller. E uma história curiosa: Vitor Manga deixara o grupo para excursionar com Wilson Simonal no México, um ano antes. Seus problemas com drogas acabaram fazendo com que o cantor de "Sá Marina" o despedisse - e ele, desgostoso, acabou morrendo de overdose. A tristeza com a partida de Vitor acabou gerando a carregadíssima balada "Tributo a Vitor Manga", literalmente chorada e berrada por Keller. Uma curiosidade: Vitor era sobrinho do homem-de-televisão Carlos Manga, que após a morte do músico, decidiu se vingar procurando Wilson Simonal durante meses, munido de um revólver - fato que foi revelado pelo próprio Carlos Manga, numa entrevista à Playboy, já nos anos 90. Vários amigos em comum acabaram impedindo que o encontro entre os dois acontecesse.

Mais surpresas podem ser encontradas em músicas como "Panorama" (inspiradíssima em Marcos Valle), "Pela cidade", no clima samba-jazzy "Cláudia", na psicodelia de "Atenção! Atenção!", no progressivismo de "Transamazônica" e no soul pesado e hippie de "Que se dane". A primazia da parceria Antonio & Tibério é substituída por várias composições da dupla Luiz Cláudio Ramos/Mariozinho Rocha e por músicas creditadas à Brazuca. Após os dois discos gravados ao lado do grupo, Antonio lançaria mais um pela Philips, em 1972, e depois passaria a se dedicar à produção independente, gravando e distribuindo seus discos por conta própria, a partir do pioneiro selo Artezanal. Tibério iniciaria uma parceria com o cantor e compositor Guilherme Lamounier - que geraria um disco solo de Guilherme pela Continental em 1973 e o sucesso "Cabeça feita", gravado pela banda carioca O Peso - e recentemente lançou um CD solo. E mesmo não aparecendo tanto na mídia, a usina de criações da dupla já chamou a atenção até de pessoas improváveis - pode perguntar ao punk Jello Biafra, que já andou citando Antonio Adolfo em entrevistas.

Texto de Ricardo Schott, publicado no site discotecabasica.com.

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Friday, February 18, 2011

Walter Franco - Revolver (1975)




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Faixas:
01. Feito Gente
02. Eternamente
03. Mamãe D´água
04. Partir do Alto / Animal Sentimental
05. Um Pensamento
06. Toque Frágil
07. Nothing
08. Arte e Manha
09. Apesar de Tudo é Muito Leve
10. Cachorro Babucho
11. Bumbo do Mundo
12. Pirâmides
13. Cena Maravilhosa
14. Revolver



"Apesar de tudo muito leve", cantava esse paulista de formação universitária, em plena época da barra-pesada. A sabedoria de Walter Franco está reunida no Revolver e no seu precursor, o enigmático "disco da mosca" , de 73, que tem as antológicas "Me Deixe Mudo" e "Cabeça" (defendida por ele, grande campeão de vaias, no último FIC da TV Globo). Os dois discos são fundamentais, mas foi Revolver que antecedeu e indicou direções mais atuais - ainda - para a música popular brasileira, graças ao tratamento mais "roqueiro" (arranjos eletrificados, uso de efeitos e outros recursos de estúdio) dado a suas composições. Como um trovador extraviado da geléia geral da Tropicália, ele cria miniaturas, paisagens sonoras independentes entre si, dando corpo a um trabalho extremamente rico na combinação de poesia e música (os arranjos ficaram a cargo do baixista Rodolpho Grani Jr.).

No fundo, a concepção entre palavra e som na música de Walter Franco é indissolúvel e indivisível. Ele trabalha o ritmo da palavra, desdobrando-a com pausas curtas e respirações alongadas, criando novos sentidos a partir de frases breves, como na lancinante "Apesar de Tudo É Muito Leve". Walter já tinha evoluído muito além da letra colegial/adolescente, que marca o rock dos 80. "Nothing" é um exemplo da construção complexa que faz a partir de elementos extremamente simples: "Nothing to see/ Nothing to do/ Nothing today/ About me/ I am not happy now/ I am not sad". Junto com "Feito Gente"- ambas deste LP - e "Canalha" (de 79) forma o tríptico pré-punk anos antes do retardatário punk tupiniquim.

A poesia de Walter evoluiu em duas direções: uma decorrente da influência da filosofia oriental e outra que aborda a agressividade urbana. Da primeira ele herdou a utilização da forma mântrica-circular da frase que retorna sobre si mesma, ou que se revela por etapas, palavra por palavra, como em "Mamãe D´Água" (o verso "Yara eu" vai sendo acrescido de palavras até formar "Yara eu te amo muito mas agora é tarde eu vou dormir") e no famoso hai-kai caleidoscópico de "Eternamente" ("Eternamente/É ter na mente/Éter na mente/Eterna mente/Eternamente"). Como se vê, novos significados vão surgindo a cada nova palavra que se desdobra a partir da inicial. É um procedimento em sintonia com a poesia moderna, em especial, pelos minimalistas americanos, como Gertrude Stein, e.e. cummings e, no teatro, Bob Wilson.

Na concepção musical do LP, tentou-se esgotar as possibilidades de um estúdio de dezesseis canais, com utilização de play-backs em sentido contrário, saturação de freqüências e pré-mixagens. A complexidade do trabalho desenvolvido com a sonoridade da bateria - que além de usar filtros de freqüências, serve-se às vezes de outra bateria - levou a utilizar dois bateristas nos shows. A combinação dos instrumentos acústicos - principalmente os tambores e tumbadoras que reforçam o clima tribal/meditativo de algumas letras - com os teclados e guitarras sintetiza as boas influências da música contemporânea e do rock.

Os últimos vinte anos de música no Brasil atestam que Revolver não perdeu sua atualidade. Continua pulsando de idéias, novas até para o ouvido da era digital. O percurso posterior de Walter Franco seguiu outras direções, principalmente o caminho das baladas meditativas. Mas de quem elaborou dois LPs de tamanha criatividade e inteligência, podem-se esperar sempre novas surpresas. Por enquanto, a Continental Discos bem que poderia relançar Revolver (ele já chegou a ser relançado em 79, mas é muito difícil encontrá-lo hoje nas lojas) e o "disco da mosca" (também conhecido como Ou Não) que está igualmente fora de catálogo e é outra pérola da música popular brasileira.

Texto de Lívio Tragtemberg, publicado originalmente na Revista Bizz, Edição 33, de Abril de 1988


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Thursday, February 17, 2011

Toni Tornado - Toni Tornado (1972)



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Faixas:
01.Mané beleza
02. Não grile a minha cuca
03. Torniente
04. Eu duvido muito
05. Sinceridade
06. Podes crer, amizade
07. Aposta
08. Bochechuda
09. Uma idéia
10. Eu tenho um som novo
11. Tornado



Ele já está com 76 anos de idade, mas semelhante a outros membros de nossa etnia, isso não é percebido visualmente – ainda é aquele jovem, que no V Festival da Canção, cantava BR-3, com o punho levantado, imitando a atitude dos integrantes dos Panteras Negras. Antonio Viana Gomes, ou, Toni Tornado.

O ator e cantor nasceu no dia 26 de maio de 1930, em Mirante de Paranapanema, estado de São Paulo, região hoje muito mais conhecida pela concentração de assentamentos do Movimento Sem Terra, liderados por José Rainha.

Sua vida mudou quando aos 11 anos, em 1941, resolveu sozinho, ir para o Rio de Janeiro, onde foi morar na rua como menino de rua. Para sobreviver, ganhava alguns trocados como engraxate e vendedor de amendoim, na praia e nos sinais de transito. Após uma breve passagem por uma instituição de acolhimento a adolescentes carentes, acaba se alistando no Exercito do Brasil, chegando a servir na expedição ao Oriente Médio.

A rápida convivência com soldados norte-americanos, Toni passa a cantar rock, e logo é revelado na Radio Mayrink Veiga, no programa Hoje é dia de rock. Seu talento, logo lhe gerou a oportunidade de integrar o elenco da peça Brasiliana. Foram anos de excursões internacionais, e na passagem pelos Estados Unidos, acabou separando-se do grupo.

Toni Tornado viveu clandestinamente nos Estados Unidos por três anos, sendo fortemente influenciado pelo Movimento Black Power e por James Brown. Em Nova Iorque, no bairro harlem, de predominância negra, por falta de oportunidade acaba trabalhando para traficantes. Neste período também conhece um brasileiro, que viria se tornar famoso no país: o Tião Maconheiro, hoje conhecido como Tim Maia. Mas quando compra um Cadillac chama atenção da policial, e acaba preso e deportado para o Brasil.

Em solo nacional Toni Tornado tem o primeiro choque com o Governo Militar – agentes do DOPS, assustam-se com as cores berrantes e sua roupa, e sua postura altiva, incomum no afro-brasileiro do período e prendem o artista. Mas sua sabedoria negra, o estimula a dar declarações desconexas, deixando nos agentes a imagem de um negro doido. O libertam, mas antes o humilham.

Mas não seria seu primeiro problema com a Ditadura Militar. Em um show da Elis Regina, quando ela canta a musica Black is Beautiful, sobe no palco, dança com o punho levantando, novamente lembrando uma atitude Black Power. Policiais o prendem novamente e eles tentam de novo o humilhar, sem conseguir sucesso. O negrão tinha uma grande força de vontade e resistência.

Em 1972, a fama teatral o leva para a TV Tupi onde interpreta em novelas. Tornado fez inúmeros filmes, com destaque para o papel de Ganga Zumba em Quilombo, dirigido pro Caca Diegues.

Nesta fase televisiva, dois fatos o marcaram: os seis anos de namoro com a atriz Arlete Salles, que foi inclusive perseguida por namorador um negro. E o papel como Rodesio, capanga da viúva Porcina e Roque Santeiro, onde Dias Gomes, o novelista, queria mostrar um final, onde os dois ficassem juntos, mas que o medo do preconceito racial, fez que a idéia fosse abandonada.

Recentemente em entrevista a Revista Carta Capital, o velho Toni Tornado renasceu ao criticar inclusive as novelas da Rede Globo, onde ele e outros atores negros são relegados a pequenos papeis, e as histórias não ajudam na auto-estima da comunidade negra.

O que vai marcá-lo é sua interpretação de Br-3, com o Trio Ternura. Uma atitude no palco que faz falta em muitos cantores negros, excetos nos rappers – alguém que assuma a própria cor.

Texto de Marco Antonio dos Santos, publicado originalmente no blog Marco Negro

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Wednesday, February 16, 2011

Tom Zé - Todos os Olhos (1973)




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Faixas:
01. Complexo de épico
02. A noite do meu bem
03. Cademar
04. Todos os olhos
05. Dodó e Zezé
06. Quando eu era sem ninguém
07. Brigitte Bardot
08. Augusta, Angélica e Consolação
09. Botaram tanta fumaça
10. O riso e a faca
11. Um oh e um ah
12. Complexo de épico



“Essas coisas assustaram e o disco sumiu. E me tirou de circulação. Eu pensava que era aquele disco que ia me botar em circulação, porque era um disco foguento, cheio de malandragem” (Tom Zé, anos 2000)

Trinta e sete anos após seu fracasso nas prateleiras das lojas, “Todos os Olhos” está sendo relançado em vinil. O mais famoso cú* da história da MPB está lá exposto em toda sua glória nos 30 x 30 cm da capa, camuflado apenas por uma bolinha de gude.

Arrebanhado de surpresa para a patota tropicalista de Caetano e Gil nos anos 60, Tom Zé urgira carreira à margem dos conterrâneos, com exceção de alguns pontos de encontro como o LP “Tropicália”. De disco em disco, sem grandes sucessos ou fracassos, o baiano de Irará, que não se considerava um genuíno compositor popular, ia tocando sua carreira low profile. Em 1973 era hora de outro lançamento pela Continental, gravadora de porte médio onde tinha estreado no ano anterior com o LP “Se o Caso é Chorar”. Como no trabalho anterior, o Grupo Capote do ex-Novo Baiano Odair Cabeça de Poeta estava a postos, desta vez com o auxílio luxuoso do grande violonista Heraldo do Monte (citado nos créditos como ‘tendo achado divertido não tocar bem’). Este lançamento marcaria o desterro comercial de Tom Zé.

Era realmente uma quebra tão radical na obra de Tom Zé? Sim e não. Certamente os padrões de produção e arranjos ganharam uma cara mais minimalista. A estranheza sempre habitara o trabalho do baiano, mas havia sempre um refrão, um gancho de canção. Aqui o disco corta qualquer barato nesse sentido abrindo com uma base de percussão e voz em loop, com Tom Zé cantando em cima “todo compositor brasileiro é um complexado (…) ai meu Deus vai ser sério assim no inferno”, malandramente preparando o ouvinte para o bode geral das letras do LP. Uma parceria com Augusto de Campos, “Cademar”, por instantes nos lembra das pretensões tropicalistas, que naquela altura parecia bem mais distante que os curtos cinco anos que haviam se passado. Rapidamente voltamos à real com a a faixa título e grande esperança radiofônica do disco, talvez a última grande canção da carreira de Tom Zé. Debaixo de grunhidos e interjeições vocais de Tom Zé se escondia um refrão irresistível, onde Tom Zé repetidamente se desculpa por suas culpas e fraquezas nuas diante de “todos os olhos”, tanto da audiência quanto “de lá de dentro da escuridão”. Destacam-se também o ótimo samba “Augusta, Angélica e Consolação” e a releitura de “O Riso e a Faca”, de 1970. Mas a obra-prima do disco é a genial “Brigitte Bardot”, ode ao efeito do passar dos anos na atriz, que estava prestes a anunciar sua aposentadoria das telas: “Coitada da Brigitte Bardot, que era uma moça bonita, mas ela mesma não podia ser um sonho para nunca envelhecer”. A faixa tem um salto magistral onde o instrumental dá o tom para uma pergunta incômoda de Tom Zé sobre o destino da francesa se ninguém se lembrasse de lhe telefonar.

Pois bem, o LP não vendeu bulhufas, Tom Zé estava ficando velho, e a vida não parou. As intenções de Todos os Olhos foram ainda mais
radicalizadas no hoje badalado “Estudando o Samba” de 1976, e o músico foi sumindo da mídia e se refugiando no circuito universitário por décadas até ser tirado do ostracismo por David Byrne. Mas essa já é outra história, e bem mais fácil de contar. Como contar derrotas, mas fugindo do lugar comum da auto-sabotagem, como o próprio artista repete quando perguntado sobre esse disco? Talvez derrotas sejam melhor ouvidas que explicadas.

“Porque a cobra já começou a comer a si mesma pela cauda, sendo ao mesmo tempo a fome e a comida” (Complexo de Épico, Tom Zé, 1973)

*na verdade é meramente uma boca e uma bola de gude na capa, mas ninguém precisa saber… Pendure a capa do vinil na parede da sala e choque as visitas à vontade!

Texto de Rodrigo Araujo, publicado originalmente no blog Clube do Vinil

Fazer o download de Tom Zé - Todos os Olhos (1973).

Monday, February 14, 2011

Programa Brazilian Nuggets 14 - Discoteca Básica do Psicodelismo Brasileiro para download

Para quem perdeu, segue para DOWNLOAD o programa Brazilian Nuggets, Discoteca Básica do Psicodelismo Brasileiro.

For those who missed, you can DOWNLOAD the whole Brazilian Nuggets show, Brazilian Psych Top 10.


Confira a Lista das Músicas

Tracklist

GILBERTO GIL - GILBERTO GIL (1968)
01. Procissão
02. Marginália II
03. Domingo no Parque

RONNIE VON - RONNIE VON (1968)
04. Espelhos Quebrados
05. Sílvia 20 Horas, Domingo
06. Mil Novecentos e Além

MUTANTES - MUTANTES (1969)
07. Dom Quixote
08. Dia 36
09. Caminhante Noturno

GAL COSTA - GAL (1969)
10. Tuareg
11. Cultura e Civilização
12. Pulsars e Quasars

LIVERPOOL - POR FAVOR SUCESSO (1969)
13. Por Favor Sucesso
14. 13º Andar
15. Olhai os Lírios do Campo
16. Voando

SOM IMAGINÁRIO - SOM IMAGINÁRIO (1969)
17. Morse
18. Super-God
19. Nepal

MÓDULO 1000 - NÃO FALE COM PAREDES (1970)
20. Turpe Est Sine Crine Caput
21. Metrô Mental
22. Não Fale com Paredes

BANGÖ - BANGÖ (1971)
23. Inferno no Mundo
24. Motor Maravilha
25. Rock Dream

JORGE BEN - A TÁBUA DE ESMERALDA (1974)
26. Os Alquimistas Estão Chegando os Alquimistas
27. O Homem da Gravata Florida
28. Magnólia

LULA CÔRTES E ZÉ RAMALHO - PAEBIRÚ (1975)
29. Raga dos Raios
30. Nas Paredes da Pedra Encantada

Lô Borges - Lô Borges (1975)




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Faixas:
01. Você Fica Melhor Assim
02. Canção Postal
03. O Caçador
04. Homem da Rua
05. Não Foi Nada
06. Pensa Você
07. Fio da Navalha
08. Prá Onde Vai Você
09. Calibre
10. Faça Seu Jogo
11. Não Se Apague Esta Noite
12. Aos Barões
13. Como o Machado
14. Eu Sou Como Você É
15. Tôda Essa Água



A contra-capa do primeiro disco solo de Lô Borges, lançado em 1972, chega a dar vontade de rir: Lô aos 20 anos, espinhudo, chucro, mal-encarado, recém-saído da adolescência. Se Kurt Cobain, quando esteve fuçando sebos brasileiros atrás de vinis dos Mutantes, visse esse disco, talvez até não curtisse a proposta folkrockprog de Lô Borges, mas com certeza iria pensar que Seattle era aqui. Afinal, sonoridades aproximadas das que Lô alcançou em seu primeiro LP podiam ser encontradas até mesmo em discos de bandas estrangeiras da década de 90...

Lô tinha estreado em 1970, aos quase 18 anos, dividindo o disco Clube da esquina com Milton Nascimento. Milton, na época, era um artista que tinha prestígio mas vendia bem pouco - e dividir um disco (ainda por cima duplo) com um músico desconhecido foi uma atitude que chegou a repercutir mal na Odeon, que quase deixou de lançar o Clube..., um dos futuros clássicos da música brasileira. Em 1972, já com algum currículo, Lô tornou-se o primeiro artista da turma teen do Clube da Esquina (ele, Beto Guedes, Flávio Venturini, etc) a estrear em carreira solo, fazendo um som que oscilava entre o rock e a MPB, sempre com grandes acentos jazz-rock, folk e progressivo por trás. Simples e conciso, o disco trazia 15 músicas em pouco mais de meia hora. Algumas músicas eram apenas vinhetas, com letras curiosas e enigmáticas, como as do roquenrol "Pra onde vai você?" (feita pelo irmão Márcio Borges). Lô revelava-se como um dos poucos músicos daquela geração mineira a brilhar como compositor e como letrista - era autor de letras simples e cortantes, como a do prog-nordestino "Não foi nada" (que se resume aos versos "sonhei que eu nunca existi/e vi que eu nunca sonhei") e a da bisonha "Aos barões".

Apesar de revelar um artista já amadurecido aos 20 anos, é provável que o primeiro disco de Lô Borges tenha tomado uma sova nas lojas... Sem parecer com quase nada da época, o disco iniciava com um hardrockzinho ("Você fica melhor assim", gravado até pelo Skank nos anos 90) marcado por uma guitarra fuzz tocada por ninguém menos que Beto Guedes (o cantor fez em Lô Borges algumas de suas primeiras participações em disco, tocando guitarra, baixo, órgão e até bateria). "Canção postal", a segunda faixa, era uma balada folk, bem naquele estilo "canção para acampamentos" que marcaria o trabalho de Lô, Beto, Sá & Guarabyra e outros. Músicas como "O caçador" traziam algumas das primeiras tentativas pós-tropicalistas de se inserir guitarras na MPB - o disco em questão é marcado pelo estilo do guitarrista Toninho Horta, reconhecível à distância. O som que marcaria a carreira de Lô Borges começaria a ser desenvolvido neste disco, a partir da valsinha rock "Homem da rua", do clima quase psicodélico de "Pensa você", do clima jazzístico do instrumental "Fio da navalha" e principalmente a partir da nebulosa "Faça seu jogo", uma triste balada com arranjos de orquestra de Dori Caymmi e intro de piano lembrando "Song is over", do Who.

O som de Lô Borges, o disco, e seu clima estradeiro (acentuado pela imagem da capa, trazendo um detonadíssimo par de tênis Bamba), influenciaram meio mundo da MPB e do rock nacional, e adiantavam climas que poderiam ser encontrados até mesmo nos discos mais inusitados. Músicas como a soturna balada "Não se apague esta noite" revelavam um som diversificado, baseado na fusão do rock com a MPB - completamente diferente da fusão feita pelos tropicalistas, partindo para uma linguagem mais folk e menos pop - mas tangenciando o jazz e o blues, como acontecia também no intrincado tema instrumental "Calibre". É bom lembrar que todos os músicos pertencentem à patota de Milton, Beto & cia. eram treinados no jazz e tornaram-se rockeiros a partir da audição diária de discos dos Beatles e de rock progressivo (Milton chegou a ser baixista de combos jazzísticos mineiros). Fechando o disco, a tristonha "Como o machado" - cuja introdução de violão poderia estar num disco dos Smashing Pumpkins, ou do Soundgarden -, o forró-folk-cabeça "Eu sou como você é" e "Toda essa água", um tema instrumental marcado por violões e violas que é a cara do Pearl Jam fase Vitalogy.

Texto de Ricardo Schott, publicado no site discotecabasica.com.

Fazer o download de Lô Borges - Lô Borges (1975).